O Globo – Santos Dumont e Congonhas, próximos alvos da CCR

Depois de arrematar a concessão de 15 aeroportos do país por 30 anos e as linhas 8 e 9 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) em pouco mais de duas semanas, a CCR se prepara para um desafio ainda mais ousado: conquistar Santos Dumont, no Rio, e Congonhas, em São Paulo, os dois terminais aéreos mais rentáveis do país. As duas pontas da ponte aérea devem ir a leilão no primeiro trimestre de 2022, e a CCR, até agora mais conhecida por administrar rodovias, pretende disputar o certame para se consolidar como a maior operadora privada de aeroportos do país. A meta dá a dimensão do apetite da empresa para diversificar seu leque de concessões depois de contornar problemas com a justiça.

“Começamos a estudar a 6ª rodada de licitação de aeroportos (realizada no último dia 7) há dois anos. Visitamos cada um dos terminais, e as oportunidades de negócios trazidas por eles. E nem desmobilizamos os times para próxima rodada de concessões que vai incluir Congonhas e Santos Dumont. Temos interesse estratégico nos dois terminais”, disse ao GLOBO Cristiane Gomes, presidente da CCR Aeroportos.

A pandemia dez a CCR rever todos os planos para o leilão, para considerar os riscos extras que a pior crise do setor aéreo global impôs aos negócios. Como havia nos grupos licitados dos aeroportos importantes como os de Curitiba, Foz do Iguaçu, e Navegantes (no bloco Sul) e Goiânia, São Luiz e Palmas (no Central), os técnicos conseguiram demonstrar que ainda era possível investir alto e entregar valor aos acionistas, conta a executiva.

SINERGIA ENTRE OS PROJETOS

A CCR levou o bloco Sul com a proposta de outorga de R$ 2,1 bilhões, um ágio de 1,534% sobre o valor mínimo. O bloco Central exigia outorga mínima de R$ 8,15 milhões, mas a empresa levou com um lance de R$ 754 milhões, um ágio 9,156%. A CCR terá que investir R$ 4,7 bilhões ao longo dos próximos 30 anos. No leilão da CPTM, realizado pelo governo de São Paulo na última terça-feira, outro ágio expressivo: 202%. Ofereceu R4 980 milhões pela outorga e vai investir mais de R@ 3,2 milhões.

“Somos investidores de longo prazo. O Brasil é uma prioridade da empresa no segmento de aeroportos, que são desenvolvedores de negócios, não só no próprio terminal, mas movimentando a economia das regiões onde estão. Os lances ousados foram resultado de nossos estudos de risco”, diz Cristiane.

Thiago Nykiel, sócio da INFRAWAY Engenharia, consultoria de infraestrutura e aviação civil, lembra que os valores das outorgas foram revistos para baixo pelo governo por conta do efeito da COVID-19 no fluxo de passageiros. Ele observa que há muita sinergia entre os aeroportos arrematados pela CCR – que já administra o terminal de Confins, em Minas Gerais, com a operadora suíça Flughafen Zurich. Isso permite que a CCR tenha vantagem na negociação com clientes e fornecedores, tornando esses projetos viáveis comercialmente.

“Através disso, a companhia tem muito know-how em obras de infraestrutura no Brasil. A pandemia vai passar, a economia voltara a crescer, e a CCR vai se tornar mais eficiente na exploração desses terminais”, avalia Nykiel.

A CCR também administra aeroportos em Equador, Costa Rica e Curaçao e tem operação de serviços aeroportuários nos EUA. Além das sinergias entre os terminais, a presidente da CCR Aeroportos diz que a empresa pretende criar hubs logísticos integrando estradas e terminais aéreos administrados pela empresa para transporte de carga e passageiros, o que agrega mais valor ao negócio de concessões.

ACORDO NA LAVA-JATO

José Francisco Cataldo, chefe de análise da Ágora Corretora, observa que rodovias, mobilidade urbana e aeroportos aparecem com três principais focos da estratégia de negócios da CCR, que tenta aprofundar sua diversificação:

“A CCR era a única empresa brasileira que atua em infraestrutura e mobilidade urbana com fôlego financeiro para arrematar os principais lotes de aeroportos, entrando numa área onde não tinha tanta exposição no Brasil.

De fato, ajuda o destaque da CCR na atual temporada de privatizações as dificuldades que outros conglomerados de infraestrutura vivem desde Operação Lava-Jato. A CCR também se viu envolvida em escândalos de corrupção, mas conseguiu contorná-los. Fez um acordo de leniência com a Lava-Jato do Paraná, em 2019, para pagar R$ 750 milhões em multas na investigação que apontou corrupção e lavagem de dinheiro em um contrato firmado com o Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná (DER-PR), o Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER) e o Ministério dos Transportes.

Em 2018, também celebrou com o Ministério Público de São Paulo um acordo de R$ 81,5 milhões para encerrar processo civil sobre um suposto esquema de caixa dois de pelo menos R$ 30 milhões nas campanhas eleitorais dos ex-governadores José Serra e Geraldo Alckimin, do PSDB. Desde então, a empresa trocou executivos no comando. Os principais acionistas da CCR são as construtoras Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Soares Penido, mas a empresa tem cerca de 55% das ações negociadas em Bolsa.

Cristiane Gomes afirma que, além de usar caixa próprio, a empresa deve buscar crédito no mercado para investimentos, já que tem baixa alavancagem financeira. João Daronco, analista da Suno Research, avalia que a vitória nos leilões de aeroportos e nas linhas da CPTM, muda ainda mais o perfil da companhia, com diversificação da receita. Em 2017, ao menos 90% da geração de caixa vinha das rodovias. Em 2020, eram 77%.

Na entrevista após a vitória no leilão da CPTM, o presidente da CCR, Marco Cauduro, disse que a empresa também tem interesse na BR-153, entre Goiás e Tocantins. Além disso, um dos projetos mais relevantes para a CCR é a relicitação da Nova Dutra, que já é operada pela empresa e exige investimento de quase R$ 15 bilhões nos sete anos iniciais, além do valor da outorga.

Fonte: Jornal O Globo publicado em 25 de abril de 2021.